3 de outubro de 2014

Acreditem: Satanás é "inocente!"

    A Figura de Satã no Primeiro Testamento é escassa. Pode-se argumentar que o episódio que delimita a queda do homem na narrativa de Gênesis 3 apresenta Satã como protagonista. Bem, em primeiro lugar, por mais que subtenda-se que a serpente estaria "incorporada" pelo mal, todavia, não há citação direta da figura deste "ser mal", a narrativa vai se construindo apontando a serpente como portadora das falas. Segundo, neste conto de Gênesis, em momento algum, a serpente (personificação do mal) impõe ou mesmo obriga o homem a aceitação do mal (temos um diálogo culminante na aceitação espontânea). Transcorremos todo o Gênesis e não temos registros de Satã, curiosamente a teologia e espiritualidade judaica Veterotestamentária não põem enfase ou sequer dá lugar de destaque a esta figura com ares bem míticos. Vamos além, percorra todos os 39 livros (na Bíblia Judaica e Protestante) ou 46 (na Bíblica Católica-romana) do que se denomina de Tanach ou Velho Testamento, o máximo que vai encontrar são 9 referências a Satã, curiosamente todas concentradas no Livro de , dependendo da versão utilizada, talvez encontre mais 2 ou no máximo 3 referências a esta figura.

      Em contrapartida, a Teologia Neotestamentária é bem mais dualista (certamente pela influência platônica sobre os escritores judeu- helenistas) e se constrói de uma maneira a pensar a perplexidade da existência e os conflitos humanos, partindo de um conflito cósmico que envolva duas forças: Bem e o Mal, Luz e as Trevas. Em todo o bojo do Novo Testamento temos  pelo menos 32 referências a Satã, sem contar com a menção aos seus coadjutores e correligionários, os demônios. Os Evangelhos apresentam um Messias "mitológico", isto é, não apenas um restaurador de um Israel marcado pela opressão e o salvador dos desesperados, mas também é o "derrotador de demônios", na mentalidade da época, meros humanos não poderiam exercer qualquer poder sobre seres supra-reais, no mínimo, era necessário ser um filho dos deuses, a saber um semi-deus, como o Hércules da mitologia grega. Os autores evangélicos, dão seu recado ao retratar o Messias, ele não está retido nos limiares da humanidade, carrega sinais da divindade.

      O apogeu desta Teologia dualista da existência, encerra-se no Apocalipse, entre todos, o menos literal das Escrituras, pois o próprio autor usa em demasia figuras, imagens e explora o simbolismo. Mas o recado é simples: No final, Satã será derrotado outra vez e o Bem vai prevalecer finalmente! Se o Primeiro Testamento é Teocêntrico e o Novo Cristocêntrico, ousaria dizer, sem radicalidade, que por muito tempo (hoje ainda temos sequelas) a construção da Teologia Cristã foi "Satã- cêntrica".

        Certamente, vai causar escândalo ao leitor fundamentalista fanático (que não deixa as luzes da razão iluminar seus horizontes) a colocação que vou fazer, mas tenho percebido a "importância de Satã" para a fé ao longo da História e se perpetua ainda hoje na contemporaneidade. Um dos maiores equívocos da Teologia foi "culpabilizar Satã pelo mal total do mundo", ora, não estou desacreditando, nem tampouco desconhecendo a realidade contingente e influência deste "ser" para o mal do mundo, mas o grande problema é que por trás da ênfase e declamação de Satã como o grande culpado pelo mal do mundo, se esconde uma verdade, pouco assumida: A culpa do mal no mundo não é de nenhum outro é nossa! 

        Que a realidade do mal era preexistente antes do mundo físico, parece se evidenciar pela narrativa bíblica da queda de Lúcifer, todavia, o conto do Gênesis nos mostra que a exemplo de Lúcifer o homem originalmente foi criado "bom", criado de maneira tão complexa e mística que a Escritura declama que o homem fora Imago Dei, ou seja, Imagem de Deus, mas o homem só poderia ser Imago Dei se carregasse consigo um marco essencial da essência de Deus: A Liberdade! Deus é o Todo Livre e o homem também precisava ser! Por muitas vezes, alunos e curiosos me perguntaram:
-Se Deus é bom, porque plantou no jardim a árvore do conhecimento do bem e do mal?
Minha resposta é simples, ora, se Deus tivesse posto só o bem diante do homem, não seríamos livres, antes "condenados a bondade", o que aparentemente seria uma benesse, mas não, se tornaria malévolo, pois não nos permitiria o "direito a liberdade de escolha".

        Deus não impôs o bem (ainda que tenha nos criado bons) ou o mal, nem tampouco Satã impôs o mal ao homem, parece análogo, mas Deus e Satã, neste quesito especificamente, atuam de maneira parecida: Apenas propõem ao homem o direito a escolha! Não sei se minha ilustração é coerente, mas quem tem a culpa por uma  pessoa ser alcoólatra: O dono do bar que vende a bebida ou a pessoa que livremente a compra e  ingere desordenadamente? Não quero fazer o papel de "advogado do diabo", mas tem muita gente se eximindo de suas responsabilidades e utilizando de "seus demônios" como justificação. Culpabilizar um Satã qualquer é muito mais prático que se assumir. Entretanto desde o princípio foi assim: Adão erra e a culpa é de Eva. Eva erra e a culpa é da Serpente. A Serpente erra e a culpa é do Satã!

       Talvez tenha chegado a hora de "desculpabilizar" um ser abstrato e invisível por muitos males de um mundo que nós mesmos colocamos no caos desde o começo, pelas nossas irresponsabilidades com Deus, o próximo e o Meio- Ambiente..

        Se acredito em Satã? Sim. Mas não apenas em um Satã, acredito em vários Satãs de carne e osso espalhados por ai, e é muito fácil identificá-los: Não respeitam o próximo, roubam trabalhadores, exploram o trabalho infantil, semeiam drogas e destroem jovens, estupram mulheres e batem em suas esposas, traem suas famílias com prostitutas, usam a religião pra alienar e assassinar massas humanas, destroem a natureza e acabam com o Meio Ambiente, são profícuos responsáveis pela desigualdade social e o desiquilíbrio natural, eis aí,  a verdadeira "origem do mal". São esses Satãs que realmente me causam temor!




(Que os leitores tenham sensibilidade de perceberem que esta não é uma leitura Teológica- dogmática, mas Teológica- Social).

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