Três forças regem o mundo: Política, economia e religião.
Todos nós estamos sobre o poderio ou no mínimo a influência de algumas destas três potências. Dentre elas, quero ressaltar o papel da religião de maneira sintetizada no transcorrer da história e ensaiar uma crítica sobreposta por uma reflexão, no que diz respeito ao papel da religião essencialmente na contemporaneidade.
A começar pela simples definição da palavra, religião se origina da palava religare, que significa: re-ligar, ou seja, tornar a conectar e/ou unir aquilo que estava desconexo e rompido. Teoricamente a religião deveria ser o lugar do encontro, onde as desuniões se desfazem e as diferenças se rendem ao culto da unidade.
Honestamente não tenho autoridade para situar onde a religião nasceu, nem posso pontuar qual foi a primeira religião a surgir, todavia uma verdade é categórica, o ser humano é um ser religioso por condição. Evidência maior disto é a pluralidade religiosa que ronda as várias culturas ao redor do mundo.
Problema maior é o fato de que o conceito e mesmo a proposta da religião foi e tem sido contrariada ao longo do tempo. Aquilo que deveria unir e aproximar tem sido o principal ponto de desencontros e indiferenças que resultam em divisões e a promoção de conflitos.
Me sinto habilitado para falar da minha própria. Sou cristão.
O Cristianismo nasceu como uma seita dentro do Judaísmo farisaico.
Jesus era Judeu, presente nas celebrações do Templo e ativo nos encontros das Sinagogas- onde estava todos os sábados, ora pra ouvir as lições, ora pra ensinar e numa dada oportunidade, para se proclamar o Mashiach prometido da profecia messiânica de Isaías 61.
É perceptível ao estudioso atento dos Evangelhos que Jesus intentou muito mais uma reforma da sua Religião original-o Judaísmo- que necessariamente a criação de uma nova. Não é por acaso que alguns autores apontam Paulo como o "fundador" do Cristianismo. Não sou radical e não vejo em Paulo o "fundador" da Cristandade, mas sem dúvida alguma é o principal articulador e protagonista na construção da Cristandade.
Nos idos do Século I e II E.C, os Cristãos eram um grupo de messiânicos dissidentes do Judaísmo, alvo da perseguição de Judeus e Romanos de onde surgiram uma vasta gama de mártires.
Cabe ressaltar que a denominação Cristãos ou Messiânicos foi posta sobre os discípulos de Jesus pela primeira vez em Antioquia (At. 11.26), pelo simples fato de que a conduta daqueles homens refletiam e relembrava a caminhada de seu Mestre, O Messias Jesus.
Esta deveria ser a sina da nova comunidade religiosa: ser cristãos, ser discípulos do Cristo.
No século III, os cristãos foram "libertos" das amarras da perseguição. Com a conversão do Imperador Constantino, a Cristandade deixou de ser a pobre comunidade de perseguidos indefesos e se tornou a poderosa senhora que veio posteriormente a deter- todo poder e autoridade- protagonizando politica e economicamente ao longo de toda a Idade Média.
A Cristandade deveria levar a "palavra da reconciliação" (II Co. 5.19) atravessando culturas e se inserindo em diversidades, lhe era outorgado o dever de amenizar diferenças e criar pontes ao invés de levantar muros.
Mas a Igreja foi cruel, forçou a fé, menosprezou e demonizou o diferente, foi intolerante com o que lhe era estranho e cunhou de peste e herege ao que usando da liberdade de pensar, pensou e se expressou diferente de seus dogmas, como resultado queimou e banhou de sangue um longo período da história.
O Re-ligar não funcionou. A religião que deveria ser uma benção, foi uma praga para a história humana.
Aprendemos muito com a história. Com o advento da Renascença, Iluminismo e as Revoluções-especialmente a francesa- novas luzes dissiparam a escuridão ideológica em que o mundo estava mergulhado.
Mas ainda hoje a escuridão tenta perturbar-nos. Sob o estandarte da religião muitas desgraças têm assolado a humanidade. Atentados, tragédias e o principal, o sepultamento do que há de mais sagrado: A unidade.
Não estou propondo a partir desta crítica uma ideia de miscigenação religiosa, ou promulgando o culto do Ecumenismo, não!
Como cristão acredito ortodoxamente que somente o Evangelho tem poder para mudar o homem no presente e através de Cristo proporcionar-lhe a salvação de suas almas na eternidade (Rm 1.16).
Nem tampouco estou igualando todas as religiões com seus cultos do "sagrado", porque creio piamente que somente Jesus é "Caminho, verdade e vida" e o único condutor do homem a Deus (Jo 14.6).
Mas meu convite é a repensarmos a religião. A observarmos a religião não como um meio para a discordância e promulgação da indiferença e do descaso, mas como um ponto de encontro. Como um lugar onde eu posso encontrar aquele que é diferente de mim, diferente na maneira de pensar, mas tão igual na forma de existir: humano, inevitavelmente humano. A se libertar da religiosidade que nos reduz ao fanatismo cego e nos ilude com a ideia de sermos "senhores da verdade" e sobretudo a nos abrirmos ao diálogo tendo consciência que Deus não é o objeto de nossas teologias, muito menos um frágil conceito das nossas filosofias e que por mais desafiador que isto possa parecer, confessar que o outro também pode conhecer Deus-ainda que numa abordagem diferente da minha.
Mas se não pudermos nos abrirmos ao diálogo que tenhamos no mínimo, o respeito ao outro pois como diria Sartre " Somos condenados a liberdade" e parafraseando Voltaire " Posso não concordar com uma só palavra que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-la!". Vale ainda ouvir Jonathan Swift: "Temos bastante religião para fazer-nos odiar uns aos outros, mas não o bastante para que amemos uns aos outros". Partindo deste pressuposto se torna fácil compreender Gandhi quando afirmou: " Deus não tem nenhuma religião" ou a colocação de Marx ao denunciar: " A religião é o ópio do povo!"
Cuidemos para que a religião não se torne uma praga novamente,se já não tiver se tornado!
Sobretudo ouçamos as Escrituras:
"Se alguém se julgar religioso, sem refrear a língua, mas enganando-se a si mesmo, vã é a sua religião. A religião pura e sem mancha diante de Deus Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas em sua aflição, guardar-se do mundo para não se manchar" (Tg. 1.26-27)
(Tradução Ecumênica da Bíblia)